Ensaio Sobre A Cegueira, de José Saramago

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos."

Então ele mergulhou em um mar de leite. Não conseguia ver nada um palmo à frente. O homem estava parado no sinal vermelho gritando desesperadamente dentro do seu carro por não conseguir enxergar. Não conseguia imaginar por que aquilo acontecera. Seria o estresse? Pessoas, vendo o homem desesperado, ajudaram-no a sair do carro e a ficar mais calmo. Um jovem de bom coração, que estava lá, ofereceu-se para levá-lo para casa em segurança.

Assim começou tudo e num piscar de olhos, toda a população começou a pegar a "treva-branca". Assim chamaram a cegueira que misteriosamente se alastrava. Todos os dias apareciam mais e mais casos e as autoridades perceberam que a nova "doença" poderia ser contagiosa, já que muitas pessoas cegavam depois de entrarem em contato com os enfermos. O Governo, desesperado com a situação, começou a recolher os cegos e a colocá-los em um manicômio abandonado. Lá a verdadeira história se passa e vemos a verdadeira face do ser humano.

O que você faria se fosse a única pessoa nesse caos que pudesse enxergar?  O que aconteceria se toda a sociedade misteriosamente ficasse cega? Ficariam cegos só dos olhos ou também 'cegos' da sua ética e moral?

"Por que foi que cegamos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem"

Jose Saramago, em sua obra, faz-nos pensar sobre 'a responsabilidade de ter olhos enquanto todos os perderam', sobre a realidade do ser humano, que supera as dificuldades impostas pela vida mas também pode tornar-se um animal, que age com selvageria e irracionalidade, quando se depara com problemas.

"Se não formos capazes de viver inteiramente como pessoas, ao menos façamos de tudo para não viver inteiramente como animais"

Sem os olhos, as pessoas perderam a sua humanidade, deixaram de se importar se alguém esta olhando quando fazem algo de errado, deixaram de se preocupar com a pessoa ao lado, que também está com fome, enquanto comem toda a comida, ou simplesmente passaram a roubar para si o pouco que todos têm para dividir. Em meio a tudo isso, porém, o grupo de protagonistas se manteve são, não perdeu o que tinham de mais importante: sua lucidez. A "mulher do médico", assim nomeada em todo o enredo, conduziu o primeiro grupo que foi para o manicômio por uma jornada, tendo que ver toda a podridão que a humanidade pode fazer a si mesma, vivendo momentos em que ela mesma queria cegar para não ter de observar o que se passava.

“É que vocês não sabem, não o podem saber, o que é ter olhos num mundo de cegos, não sou rainha, não, sou simplesmente a que nasceu para ver o horror, vocês sentem-no, eu sinto-o e vejo-o”

Saramago não nomeia nenhum dos seus personagens. Nenhum cego recebe nome, como um deles próprios diz :

"Os cegos não precisam de nome, eu sou esta voz que tenho, o resto não e importante".

Todos ganharam apenas algum tipo de apelido ("Mulher do médico", "menino estrábico", "rapariga dos óculos escuros”, "o primeiro cego") e sem a visão, não há rosto para se ver,  nem porque arrumar o cabelo ou se enfeitar. A aparência, de repente, tornou-se algo fútil. Assim, não importava para os cegos se você era negro, pardo, asiático ou qualquer outra coisa. O que realmente valia naquela selva era a sua palavra, a sua voz.  E mesmo diante daquele caos que a cidade havia se tornado, ainda havia espaço para o amor.

José Saramago

Um livro realmente tenebroso, que me fez pensar na sociedade onde vivo e nas pessoas ao meu redor, no quanto o ser humano pode ser bom mas também pode ser assustadoramente cruel, mal. Depois de ler Ensaio sobre a Cegueira, dei-me conta de que um apocalipse zumbi não chegaria nem perto de uma epidemia de cegueira. Em um mundo repleto de zumbis, podemos lutar por nossa sobrevivência, já  no meio dos cegos, destruímo-nos.